SPUTNIK

A hurry hurry world: passado, presente e futuro sob o viés da paciência

“É preciso permitir às coisas seu próprio passo…
É preciso viver tudo.
Quando se vive as perguntas, vive-se também,
talvez, aos poucos, sem que se perceba,
no romper de um dia desconhecido,
o começo das respostas.”


Rainer Maria Rilke

O mundo todo mudou em questão de segundos. Estávamos todos vivendo nossas vidas dentro da normalidade de cada um, e de repente, tudo mudou de lugar. Somos obrigados a nos trancafiar em casa porque não sabemos o que vai acontecer daqui algumas horas, se mais pessoas serão infectadas por um vírus que ainda desconhecemos por inteiro e, exatamente por isso, ainda não sabemos como lidar nem acabar com ele. A correria da rotina foi transportada para dentro de casa, e quem pode já está se adaptando à nova realidade do home office “forçado”. Passamos, de algumas semanas para cá, a viver uma nova ansiedade crescente e periclitante, diferente de tudo o que conhecíamos há alguns dias atrás. Como ficar imune à impaciência de não saber quando tudo volta ao normal?

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Porém, mesmo com a pandemia, algumas coisas não mudaram: agendas abarrotadas, compromissos inadiáveis, entregas urgentes. Demandas profissionais, pessoais e um mundo que busca cada vez mais que o indivíduo performe bem. Conflitos internos, externos, desavenças no home office e na convivência em casa. Polarização política, novas doenças, catástrofes ambientais. E existe, ainda, um medo por não saber como encarar essa pressão causada por um vírus, que está por um triz de nos conduzir ao Burnout – síndrome ligada ao esgotamento físico e mental dos profissionais em ambientes de trabalho –, que antes do mundo virar de ponta-cabeça, já tinha crescido 114,8% entre 2017 e 2018. 

Só nos resta nos perguntar: e nós, como ficamos nessa nova panela de pressão cotidiana?

2020 chegou e, na última década, tivemos a sensação de que o tempo se espremeu. Com a pandemia e o isolamento social — a quem tem esse privilégio —, a percepção temporal muda, de novo, completamente. Em tempos de home office, parece que, cada vez mais, falta hora no dia. Antes, a sensação era de que, mais agitados e corridos, perdemos a capacidade de parar. De tomar tempo e espaço para pensar melhor, para aproveitarmos o ócio ou para, com calma, resolver aquele problema ou outro. Agora, somos forçados a frear. Em ambos os cenários, a paciência é um ativo social necessário — tanto na vida pessoal quanto na profissional —, percebe? 

A gente era mais paciente no passado?

O que parece tão corriqueiro deixou de ser um hábito: você não se dá ao luxo de pensar em como a sua vida era antes — e por antes entenda poucos anos atrás. Você só pensa no futuro, e se esquece também de que o foco no presente é o que pode definir como será o seu amanhã. Decidimos, então, voltar um passo para tentar entender em qual momento a nossa paciência começou a se esgotar (ou pelo menos termos uma ideia de quando a sociedade em geral passou a perder as estribeiras tão facilmente).

A impaciência tem muito da sua origem na intolerância. A convivência entre bilhões de indivíduos com crenças e valores tão distintos – o que não exclui os problemas entre quem compartilha dos mesmos – é um processo bem complexo. As diferenças geram a falta de tolerância, o que leva ao desrespeito e, inevitavelmente, à violência. E quando a gente diz violência pode parecer algo grande. Mas não. Pequenos atos também são capazes de destruir relacionamentos, ferir sentimentos, causar mortes (mesmo que seja só da alma). E os grandes acontecimentos são responsáveis por marcar toda uma história. Não é preciso ir muito longe para chegar ao Holocausto, genocídio nazista contra os judeus ao longo da Segunda Guerra Mundial (1939-45), motivado pelo que os alemães apontavam como diferenças. Fruto das perdas imensuráveis do Holocausto e para combater futuras atrocidades do tipo, nasceu a Declaração Universal dos Direitos Humanos na luta pelo bem de todos os seres, iguais por natureza.

Esse é apenas um exemplo do que acontece quando o individualismo toma o lugar do coletivo, e as satisfações pessoais engolem o bem comum. Pensar em si mesmo é o motor propulsor do que chamamos de imediatismo: opiniões que divergem das minhas não são válidas nem muito menos toleráveis. É como se caminhássemos contra a conexão entre as pessoas de um jeito ansioso e intolerante. E como é possível viver e trabalhar em um tempo em que o passado “não existe”, o futuro é incerto e temos problemas de relacionamento tão profundos e arraigados porque não exercitamos o autocontrole no presente? 

As mudanças nesse ritmo de vida alucinante não são recentes e lá nos anos 70 Alvin Toffler, ao lançar O choque do futuro, foi considerado um louco que tentava prever o futuro. O que muitos não contavam é que algumas de suas hipóteses se confirmariam poucos anos depois. Ele bem disse que viveríamos “um excesso de mudanças em um curto espaço de tempo”, o que era exatamente o tal choque que deu nome ao livro. E adivinha sobre o que mais ele falava? Para Toffler, o estresse generalizado dos trabalhadores, gerado pela revolução industrial, seria uma característica inata da disrupção que a tecnologia digital traria. O que ele chamou de chegada prematura do futuro é a desorientação que domina a nossa rotina pessoal e profissional hoje, prevista no tempo dele como “a mais importante doença do amanhã”.

O analfabeto de amanhã não será aquele que não sabe ler, mas aquele que não aprendeu como aprender.

Herbert Gerjuoy

O choque do futuro previsto por Toffler é nada menos do que essa sobrecarga de informação com a qual a gente lida a todo momento. É a desorientação que o bombardeio trazido pelas redes sociais nos causa porque alimenta a ideia de que o outro é sempre mais feliz do que nós mesmos, e que, portanto, nunca alcançamos a perfeição, que na verdade não existe. E é, ainda, a maneira com a qual a gente precisa olhar para esse mundo acelerado e descobrir como acompanhar todas as mudanças sem nos sentirmos tomados pela ansiedade. 

O imediatismo de não esperar por mais nada

No passado, muitas vezes fomos obrigados a esperar porque as coisas aconteciam num compasso diferente, devagar. Só que, também num piscar de olhos, a internet e as redes sociais chegaram para virar nossa rotina de cabeça para baixo. Ficamos desacostumados a ter calma. Queremos tudo para ontem (mesmo bloqueando o que aprendemos logo ali atrás). Aquela semente da intolerância plantada no passado não muito distante foi semeada na cultura do imediatismo. Não temos paciência para o futuro chegar, mas queremos escapar do presente a todo custo. Aí, só sobra lugar para o caos se instalar.

Recebemos uma enxurrada de informações desconexas para serem compreendidas no curto espaço de tempo entre abrir um app de notícias no celular e ter de responder outras 350 mensagens na caixa de entrada do e-mail — em tempos de pandemia, então, o mar de informações é ainda mais amplo (e possivelmente mentiroso). Nada pode esperar nessa linha do tempo indefinida, e a gente fica, mais do que imaginamos, paralisados — porém ainda a ponto de explodir e (re)agir. O que poderia ser planejado é atropelado por prazos intangíveis e agendas desenfreadas. Uma tarefa atrás da outra e você nem se lembra mais o que é sair da sua mesa de escritório e tomar um café, conversando calmamente sobre a nova palavra que sua filha aprendeu ontem ou aquele seriado que finalmente teve tempo de assistir. Assim, as relações dentro do trabalho e fora dele se tornam superficiais, e o resultado pode ser trágico já que seu estoque de paciência vai se esvaindo, a irritação se instalando e a catástrofe acontecendo dia após dia. (linkar com texto 2 – paciência/conflitos)

Em busca de uma nova forma de se relacionar com o tempo, o professor Douglas Rushkoff encontrou em Present shock: when everything happens now algumas respostas para nosso instante prolongado no presente, que torna inviável pensar no que passou por ser antiquado, e também incerto considerar o que virá por tudo mudar rápido demais. Como a gente faz, então, para não ficar congelado num lugar que nem sabemos onde fica?

Rushkoff chama nossa atenção para a paciência necessária contra a desorientação. As pessoas não se envolvem com mais nada porque estão sempre correndo para resolver dezenas de outras coisas; tomamos decisões impensadas sem medir consequências, e isso afeta todo mundo ao redor. Ele diz que perdemos a chance de entender uma narrativa porque não podemos desperdiçar nosso tempo para olhar para o cenário completo; e é impressionante ver que as pessoas vendem seu tempo, e até o novo dinheiro — as criptomoedas — tem o cronômetro correndo em sua essência, o que inverte a famosa máxima de Benjamin Franklin porque o dinheiro é tempo, e não o contrário. O tempo passou a ser visto como inimigo, algo que se quer conquistar, literalmente, a qualquer preço numa corrida louca contra o relógio. Nessa loucura, a internet trouxe um novo território: o que era espaço de inovação se tornou um território de tempo humano, no qual as coisas acontecem sem intervalo para parar e pensar. A vida se tornou automática. E para ele, a grande descoberta é como cada um “recupera” esse tempo tirado de nós, o que talvez seja tarde demais. As pessoas se transformaram em uma ferramenta das empresas para manter o jogo acontecendo, e a parte humana vai se perdendo num sistema que coloca os valores humanos como obsoletos.

“Estamos presos a uma diminuição de tudo o que não está acontecendo agora — e o ataque de tudo o que supostamente é.”

Douglas Rushkoff

Hoje, dizer “obrigado pelo seu tempo” ganha um novo significado porque quando uma pessoa se dedica a algo que você solicitou com afinco e, claro, paciência, é como se fosse uma conquista de ambos os lados. E isso acontece porque, quando tudo tem de ser realizado agora, você começa a desenvolver, desde a infância, a ansiedade do não ter de esperar por mais nada, o que nos torna pais impacientes que não conseguem transmitir a paciência aos filhos. (linkar com texto 5 – paciência/mães) Todo mundo não tem tempo e, como bem pontuou Rushkoff, essa “digifrenia” online causa o caos mental, e se proteger da distração é uma tarefa quase impossível. Deixamos aqui um desafio: ao conversar com seu colega de trabalho, experimente esquecer a notificação que vibra no celular e foque pura e simplesmente nesse contato visual. Pode acreditar, a conexão real vai ser muito mais produtiva do que a digital, que deveria, na verdade, estar a serviço da nossa realidade (e não causando a destruição dela). Em tempos de home office e calls, nossa sugestão é que você olhe para a câmera quando for falar — e não para a imagem do seu interlocutor na tela. Pode, de início, parecer estranho, mas logo você vai perceber que esse pequeno ajuste faz uma grande diferença na forma como vocês se conectam. 

O futuro pode esperar: a paciência é a chave para você chegar lá

O imediatismo causa o afastamento, e a gente vivencia isso a todo instante no ambiente de trabalho porque vemos a dificuldade em estabelecer relações saudáveis. Queremos produzir, produzir, produzir, e não sobra nem um intervalo para cultivar essa conexão com o outro, que está bem ali na mesa ao lado ou a um clique da webcam. 

A ansiedade, a dor maior do “tudo ao mesmo tempo agora”, é – pasmem – o que mais leva pessoas ao suicídio, uma a cada quarenta segundos, em todo o mundo. A gente precisa entender que esse imediatismo não é um distúrbio psicológico, mas é aonde ele pode nos levar. E agora é o momento ideal de parar, respirar fundo e olhar para frente com a paciência necessária que pode nos conduzir à sanidade amanhã.

Repetimos aqui a pergunta que fizemos lá no início dessa reflexão: e nós, como ficamos?

Quanto mais a gente se afunda no imediatismo, mais dificuldades temos de encarar, com calma, os percalços no dia a dia, por menores que sejam. Ficamos frustrados, ansiosos e impacientes porque não é sempre que resolvemos todas as pendências ou cumprimos prazos. Pensando em como estamos vivendo uma era de transformações, em que, agora, observamos a volatilidade na prática, a SPUTNiK faz um convite: em tempos caóticos, como podemos, na medida do possível, nos sintonizarmos com a paciência e tirar, dessa virtude, os inúmeros benefícios que ela pode nos oferecer, tanto na vida pessoal quanto na profissional? Queremos que você tenha a paciência como ferramenta para se preparar para o que vem por aí, para lidar com tudo sem pirar. 

Em parceria com Andréia Matos, formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e pós-graduada em Pesquisa de Tendências pelo Istituto Europeo di Design de Barcelona, fizemos um estudo profundo mergulhando em todos os vieses dessa virtude tão essencial para o futuro que desejamos. Para Andréia, pesquisar sobre o assunto ressoou forte entre os seus ideais, o que a fez perceber que, apesar de toda yoga e meditação que pratica, ainda tem muita falta de paciência para ser trabalhada por lá. Por aqui, e com certeza aí do seu lado, também. Acho que você vai gostar do que descobrimos juntos 🙂

É preciso aceitar a cultura slow para estarmos realmente presentes em tudo o que fazemos, e nesse cenário, a paciência é mais do que espera, é constância e atenção às tarefas como parte da cultura organizacional que muda a cada década. Falamos na pesquisa sobre a (im)paciência do universo corporativo. A urgência mudou de significado porque, hoje, nada mais pode esperar. A métrica de curto prazo das empresas é o novo caminho para o sucesso. Mas aí, em meio ao caos, somos todos obrigados a parar para repensar uma dinâmica inteira de trabalho enquanto um vírus chega e desestrutura todo o cenário mundial, nos deixando sem respostas imediatas. O que antes era importante, como o tempo de cada profissional dentro de uma empresa, hoje é substituído pelo valor das entregas feitas e do desempenho do indivíduo, independente se está há dez anos ou dez dias como parte do time. Profissionais de 25 a 34 anos já acumulam em seus currículos, em média, 6 empregos, enquanto muitos dos aposentados acumularam sete empregos em toda uma carreira. Hoje não se cultiva o apego, apenas o crescimento rápido. E, assim, passa-se a alimentar a ilusão do empreendedorismo de que o sucesso acontece num piscar de olhos, enquanto se deveria olhar para o tempo em que determinada ideia foi talhada para ser, finalmente, inovadora e excepcional. O que não se pode perder de vista, porém, é que se manter no sucesso envolve justamente essa tal de paciência, combinada com resiliência e muita adaptação a momentos incertos — como o que estamos vivendo agora — e ao que ainda vai acontecer.

Nosso estudo também mostrou que, quando você perde a paciência no trabalho, isso pode ser o resultado de algo que não conseguiu resolver consigo mesmo e, assim como o povo japonês, às vezes suprimir sentimentos negativos pode ter um impacto também negativo: explosões de fúria e até mesmo doenças psicossomáticas. É preciso entender que tempo e energia são recursos limitados, e parar de gastar seus esforços em algum projeto ou ideia pode ser mais promissor do que tentar controlar o incontrolável. Isso serve também para os relacionamentos no ambiente corporativo, em que a escuta está cada vez mais escassa (mesmo que extremamente tecnológica). Ser paciente é pensar antes de agir, em vez de reagir; é usar os princípios da Comunicação não violenta para observar a situação como um todo (uma tarefa a ser cumprida, por exemplo), sentir como isso te afeta como responsável pela demanda, identificar a necessidade que não foi atendida pelo colaborador para, enfim, definir como o pedido de execução deveria ter sido feito para que todas as expectativas fossem alcançadas, sem perder a calma nem as estribeiras. Tudo isso mostra que, quando você é paciente, consegue maximizar seu tempo antes de tomar a decisão mais acertada, aceitando o tempo como seu aliado no mesmo ritmo em que entende que, dessa forma, você age seguindo a lógica da realidade, não da impulsividade, porque alcançou o que muitos de nós ainda não conseguiu conquistar: o autocontrole.

Descobrimos que a paciência — algo que todo mundo pode conquistar por meio de treinos diários —  é o novo diferencial do trabalhador no cenário impaciente do século 21, marcado por essa cultura do imediatismo e, na mesma proporção, pelo excesso do individualismo. Pensar e se colocar no lugar do outro é doloroso para muitas pessoas porque somos convidados a mergulhar tanto em nós mesmos e nos esquecemos que, lá no fundo, o “eu” não existe sem o “nós”. É hora de mudar a chave da competição para abrir espaço para a colaboração, mesmo quando a tecnologia tentar te desviar do verdadeiro sentido de conexão: para inventar a internet, o smartphone, o airpod e a realidade aumentada, pessoas se juntaram para trazer ao mundo a inovação, uma união de carne, osso e muita inteligência não artificial, real, humana, sensível e incomparável. Antes de ser um colaborador ou um líder, somos seres humanos capazes de aprender, desaprender e reaprender todos os dias, juntos, porque a paciência é o que nos faz aproveitar o tempo para evoluir, desacelerando processos para, enfim, interligar pessoas. É, aliás, o caminho que aponta o filósofo Yurval Harari para a atual crise que nos acomete globalmente: “O verdadeiro antídoto para epidemias não é a segregação, é a cooperação”. 

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O presente das empresas do futuro