SPUTNIK

Como parar de condenar a idade (e por que os 40 não são os novos 30)

50% dos colaboradores precisarão de reskilling até 2025. E nessa fatia, também estarão as gerações “mais novas”. Aliás, o lifelong learning é necessidade recente, dos novos tempos. GenZ e as gerações seguintes são as que mais precisarão estar “em sala de aula”, todo dia e para sempre, porque devem vivenciar com ainda mais intensidade o ritmo exponencial da evolução tecnológica.

O percentual que cito aqui é de 2020 (The Future of Jobs Report/Fórum Econômico Mundial). Pode, inclusive, ter aumentado. Afinal, ChatGPT (e agora na versão 4, com 100 trilhões de parâmetros!) está aí pra nos lembrar de que tudo está mudando de forma rápida e profunda. Afora outros tantos “sustos” que temos tomado com AI, né?

Evoluir é bom. Mas algumas mentalidades primitivas – e preconceituosas – precisam evoluir junto.

O episódio de etarismo na universidade de Bauru trouxe uma pauta relevante à arena pública. A sociedade tem, sim, falado mais nos últimos anos sobre discriminação de idade (na SPUTNiK, temos há 8 anos uma jornada de aprendizagem voltada exclusivamente para integração multigeracional, transetarismo e o futuro sem idades). Mas ainda não a discutimos em um nível que promova quebras urgentes desse preconceito. Inclusive, em nível da linguagem – que é uma das nossas roupagens sociológicas e, por isso, importante de ser revista.

Por exemplo: falamos muito “os 40 são os novos 30”. Mas será mesmo que essa expressão é adequada? Sem o intuito de higienizar o discurso, penso que é fundamental atentarmos para o arcabouço simbólico que essa frase levanta.

Ao falarmos “os 40 são os novos 30”, “os 50 são os novos 40”, e assim por diante, automaticamente estamos dizendo que a Patrícia Linares, estudante de Biomedicina – que, aliás, comemorou 45 anos nesta terça-feira – só pode estar na faculdade porque as décadas “rejuvenesceram”. 

É como dar “permissão” para determinada faixa etária usufruir de liberdades que só a sua década anterior poderia aproveitar, sob uma cultura jovem-cêntrica.

Por isso, penso que essa expressão – que, inclusive, já usei muito – reforça um mindset ultrapassado.

De novo: a ideia aqui não é higienizar a comunicação. A linguagem simbólica é bela e inerentemente humana. E claro que essa máxima faz sentido quando se refere a parâmetros de saúde e longevidade (que bom que os 80 sejam os novos 30! Queremos mesmo idosos saudáveis e ativos e livres de preconceito para fazerem o que quiserem!).

Mas, para evoluirmos, é essencial revisar os padrões socioculturais limitantes que ecoamos – muitas vezes sem nem perceber, com mensagens carregadas de contradições.

O relatório do Fórum Econômico Mundial aponta o “crescimento da adoção de tecnologia” como o principal motivo da demanda por requalificação. Inclusive, temos falado bastante sobre os processos de upskilling e reskilling no nosso report de tendências (baixe “O óbvio (re)descoberto” aqui). Pra abarcar essa necessidade constante por novas habilidades, cada vez mais complexas ou distantes (inclusive, as human skills), vemos o metaskilling como o único caminho promissor (neste artigo, a gente aprofunda).

Ao mesmo tempo, o FEM destaca as duas principais habilidades a serem treinadas nos times nos próximos 5 anos

  • Pensamento crítico
  • Solução de problemas 

A previsão do report The Future of Jobs de 2020 já tem 3 anos. Portanto, temos apenas 2 anos pra correr atrás desse metaskilling

À época, o relatório pontou: “o que está surgindo neste ano são as habilidades de autogerenciamento, como aprendizagem ativa, resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade”. Habilidades que realmente vimos subir na lista de prioridades das empresas que atendemos nesses últimos anos. As experiências de aprendizagem e os conteúdos têm sido cada vez mais direcionados a essas competências, e customizados para o perfil de cada time, liderança e OKR.

E agora precisamos olhar para a colaboração geracional como uma urgente habilidade a ser desenvolvida. Inclusive, pela saúde da economia – não mais importante, claro, que a saúde emocional do indivíduo vítima da discriminação (monetizar o fim de um preconceito não é um bom argumento).

Ao mesmo tempo, de fato, empresas que sabem valorizar os talentos experientes terão um diferencial competitivo crescente.

Há poucos dias, a revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios fez uma reportagem sobre as 10 tendências para o mercado de trabalho em 2023. E recebi o convite para participar. Trago minha fala à revista aqui:

Quanto mais as organizações souberem promover o encontro entre veteranos e jovens, mais conseguirão extrair o melhor dos seus times. Para isso, é preciso oferecer ferramentas, para que as diferentes gerações saibam conviver sem conflitos desnecessários. 

Enquanto isso…

No SXSW, uma palestra na segunda-feira abordou longevidade. No palco, Vanessa Liu, cofundadora e CEO da Sugarwork, plataforma SaaS (software as a service) que facilita arranjos de trabalho flexíveis e part-time para funcionários experientes, para “desbloquear o conhecimento de funcionários experientes” – bloqueado justamente pelas barreiras geracionais.

Liu fundou a startup em novembro de 2022 e já recebeu aporte de US$ 2,5 milhões (dado da Pitchbook em 14/03/23).

Junto ao recente episódio brasileiro de etarismo – ou ageísmo, idadismo, velhofobia -, a pauta está ganhando corpo globalmente. Na cerimônia do Oscar, Michelle Yeoh levantou a estatueta de Melhor Atriz aos 60 anos e inspirou: “Mulheres, não deixe ninguém dizer que vocês já passaram do seu auge.”

Há cerca de 2 meses, Shakira causou frenesi nas redes com a nova música. Entre outras manifestações, cantou: “Eu valho duas de 22 [anos].” Pouquíssimo se falou sobre a carga social e as dores estaristas cantadas por ela. O debate se limitou a julgamentos e memes. 

Reportagem do Estadão esta semana trouxe olhares muito interessantes sobre o assunto. E recomendo também a escuta ativa deste episódio do Café da Manhã, podcast da Folha de SP.

A diversidade que tanto buscamos nas organizações precisa considerar a diversidade de faixa etária. 

Não há mágica ou atalhos: a experiência é diretamente proporcional ao tempo. Além de não sermos máquinas para absorver teras de big data em poucos segundos, há habilidades que só muitos anos de estrada conseguem entregar.

Como destaca a Organização Mundial da Saúde, no último Relatório Global sobre Ageísmo: 

“O preconceito de idade é generalizado em instituições, leis e políticas em todo o mundo. Prejudica a saúde e a dignidade do indivíduo, bem como economias e sociedades em geral. Ele nega às pessoas seus direitos humanos e sua capacidade de alcançar todo o seu potencial. Apesar de sua natureza difusa e impactos nocivos, o preconceito de idade ainda carece de uma base de conhecimento sólida, de pesquisa dedicada, informações, dados desagregados e análise sistemática de tendências.”

Aliás, etarismo é crime, há 15 anos – o Estatuto de Idoso estabelece pena de 6 meses a 1 ano de reclusão, e multa para quem humilhar ou menosprezar alguém por causa da idade.

Para além do viés punitivo que o caso levanta, é um momento rico para refletirmos: por que ainda encaramos de forma tão retrógrada o envelhecer?

Além de nocivo para o indivíduo, é um desperdício do valor imensurável que a experiência oferece.

Conheça nossa jornada de integração transgeracional.

O presente das empresas do futuro