SPUTNIK

Entrevista: A METAFÍSICA DA ATENÇÃO

Genesson Honorato é um trend maker em RH e desenvolvimento de pessoas. Conheça a trajetória desse baiano inspirador, thinker de inovação em RH com passagens por grandes empresas no país, que traz ensinamentos valiosos sobre aprendizagem experiencial e integrativa. 

 

Baiano de Mascote – BA, Genesson Honorato desenvolveu, desde pequeno, o metaskilling e o poder da aprendizagem para uma jornada de sucesso. Aos 40 anos, é um dos líderes de RH mais inspiradores do país, com currículo em grandes organizações – como L’Oréal, Thoughtworks e OLX Brasil.

 

Na sua narrativa, é possível identificar ferramentas humanas riquíssimas e impulsionadoras. Nessa entrevista exclusiva para a SPUTNiK, que fizemos em vídeo e transcrevemos abaixo, ele compartilha vivências e ensina como a aprendizagem pode ser ativada em qualquer situação cotidiana. E conta como estrutura o conhecimento, potencializando o que aprende a cada momento.

 

Genesson dá uma aula de:

  • Lifewide & lifelong learning = aprender em qualquer lugar ou situação
  • Metaskilling = tendência que representa a habilidade de qualificar (e não apenas se qualificar de qualquer jeito, com upskilling e reskilling burocráticos e pouco efetivos, tanto para o profissional, quanto para a empresa)
  • Pensamento crítico = curar informações e conectá-las para um raciocínio complexo e criativo 

Pegue um café/um chá, e a sua atenção por alguns minutos, e inspire-se com a história dessa liderança.

 

Quais são os primórdios da sua trajetória e como construiu a sua formação educacional?

 

A formação está passando por essa virada que é sair de puramente acadêmica para aquela que valoriza também a universidade da correria, a vivência com tudo o que você experimenta. O conhecimento não acadêmico forma muita gente, as pessoas aprendem enquanto fazem, no dia a dia. E essa realidade fica mais evidente com recortes de classe. Quando falamos em educação, precisamos fazer um recorte da pessoa negra no Brasil, principalmente do interior do Brasil, de onde sou. Quem vem dessa origem precisa fazer mais esforço para determinadas coisas. Por exemplo, inglês eu aprendi sozinho. Há alguns anos, observando o boom da globalização, pensei “muita gente está falando que falar inglês é importante. Então, como é que eu faço para aprender a falar? Sem grana, sem tempo, e correndo atrás das necessidades básicas de sobrevivência, como faço?” Então, fui com as ferramentas que eu tinha. Comecei a ouvir rádio em inglês, ver série, à época não tinha streaming, então tinha que procurar os conteúdos na internet, não era tão fácil como hoje. Assisti muito The Big Bang Theory, Sheldon Cooper falando sobre física em inglês (socorro, rs), e eu curtia e buscava aprender. É um pequeno exemplo dessa formação, que talvez não seja ainda tão bem mapeada do ponto de vista do produto final dela, se é que existe um produto final.

 

A minha história começa em Mascote, uma cidade pequena no interior da Bahia. Há três anos, fundei lá o projeto “Chão Criativo”, que conta com três pilares: cultura, educação e tecnologia. Agora vamos lançar para dar visibilidade e buscar apoio e investimento. Mascote tem cerca de 4.500 habitantes em sua sede e os jovens de lá saem em busca de formação, ou melhor, do trabalho que os forma. É literalmente a carroça na frente dos bois. Ao invés de pensar em estudar para ter uma profissão – que seria o caminho natural -, as pessoas de onde eu venho precisam ter a profissão para depois tentar ver se conseguem estudar. 

 

Minha família estudou pouco. Eu tinha um amigo na infância cuja mãe era professora e tinha livros em casa, e eu sempre fui muito curioso, então ficava encantado com aquela literatura ali – sem entender nada, apenas pura curiosidade. E aí me deparei com um livro de Fernando Pessoa chamado “Poemas Escolhidos”, comecei a ler e a pensar “tem algo fora desse meu universo, tem coisas acontecendo”… e isso me abriu uma resposta. E aí fui despertando. Como não tinha internet, ainda mais no “mato”, eu lia enciclopédia, queria saber como eram os países, e sempre que as pessoas falavam dos países, eu falava “Gaudí, sim, Barcelona, na Espanha”. “Você já foi à Espanha?”, me perguntavam, e eu

dizia que não, mas que tinha visto na enciclopédia. Andava sempre com um dicionário de bolso que peguei na biblioteca. Depois, me deparei com Caetano de Veloso, uma amiga me deu o disco Prenda Minha, e aí mergulhei em Caetano e Gil, e eu sempre digo que a poesia e a música deles foram fundamentais para minha formação. E sempre pesquisei tudo, até no banheiro, lia o rótulo do shampoo, do sabonete, qualquer coisa, para entender o que era aquilo. Morei em Salvador com meu pai para estudar Psicologia, entrei como bolsista do ProUni, me formei e passei no programa de trainee da L’Óreal.

 

Essa minha trajetória até aqui me possibilitou um encontro comigo

mesmo.

 

Essa universidade da rua tem uma importância porque ela forma não só sujeitos para o trabalho, para um mercado ou pra essa famosa geração de valor infinito, mas forma no sentido de você se conhecer mais. E em muita parte desse caminho, você comete erros para poder se encontrar. É o famoso aprender enquanto faz, “on the job learning”.

 

Fica evidente uma robustez emocional na sua trajetória.

 

Isso é uma coisa fundamental. Talvez eu hoje – acabei de completar 40 anos – esteja tendo a minha maior fragilidade emocional, porque as coisas estão avançando muito rapidamente do ponto de vista das relações das pessoas negras. Imagina se você é uma pessoa negra e você vê todas essas reportagens, como “fulana bateu em um negro”, você fica nesse mundo, imerso, e você não sai dele porque você é uma pessoa negra. Moro num condomínio no Rio de Janeiro, no Flamengo, e devo ser uma das, talvez, duas pessoas negras que moram aqui. E acabo me deparando com situações de dois pesos e duas medidas, você fala uma coisa como pessoa negra, tem um peso que te achata de cima para baixo. Uma pessoa branca fala coisas dez vezes piores e “espera aí, não era bem assim”. Você se depara com os limites da pessoa negra sendo bem mais rigorosos.

 

O nível de complexidade é muito alto. E ele vai aumentando com as redes. Para o bem e para o mal.

 

Dia desses, cheguei ao escritório da empresa, que fica ao lado da minha casa. Tinha comprado uma bicicleta, fui guardar na garagem do prédio e um homem que passava falou “entregador não é aqui, não”. Em outra ocasião, estava chovendo, era cedinho, 7 da manhã, passei por um morador aqui do prédio e ele me disse: “naquela esquina tem um tênis que acho que dá no seu pé”. Domingo estava aqui no Aterro do Flamengo com meu filho brincando na grama e teve uma senhora que pegou a mochila e mudou de lugar. Então, a inteligência emocional e a resiliência que você precisa ter são imensas, porque o tempo

todo isso acontece. Saindo hoje pela manhã de casa, passando em frente ao elevador de serviço, saiu um homem com o carrinho de compras do condomínio – que você deve devolver na garagem – e deixou o carrinho na minha frente, como se eu trabalhasse no prédio, para guardar pra ele. Se parar pra pensar sobre isso o tempo inteiro, você não vive, você pira, dentro dessa complexidade. E agora que estou ficando mais velho, o cabelo ficando branco, estou sentindo isso muito mais. Tem uma música do Emicida em que ele fala “me embarga e me assusta ser suspeito”. Você está na rua, fazendo nada, indo ao mercado. Você é suspeito. Então, é seguir construindo algo, seguir trabalhando, cuidando dos meus filhos, educando e seguir feliz sorrindo. Até porque para uma pessoa negra no Brasil sorrir é um ato de rebeldia. Uma pessoa negra, letrada, no Brasil, sorrir consiste em um ato de coragem e de rebeldia.

 

Recebo muita mensagem de gente que fala que se espelha em mim, “um cara negro numa

empresa, você me mostra que é possível”. Faço mentorias para mulheres negras e homens

negros que estão passando por problemas nas suas empresas e não têm com quem conversar.

 

Qual cargo você desempenha hoje?

 

Hoje meu papel é de inovação em RH, que não existe geralmente dentro dos times. No entanto, a evolução do RH ao longo do tempo nos traz a um lugar em que essa área precisa

definitivamente entender do negócio e intensificar o cuidado com as pessoas. É o que eu chamo de “equilibração”, a gente fala em equilíbrio, mas o Jean Piaget, na teoria infantil, fala em equilibração, ou seja, aquilo que não está em equilíbrio, mas está equilibrado. Em algum momento cai para cá, outro momento cai para lá, então é a equilibração. 

 

O RH foi muito cobrado para ser mais orientado a números, a dados. E essa cobrança talvez tenha nos levado muito rapidamente para um lado só, então acho que houve a necessidade de vir ao centro beber dos dados enquanto cuidamos das pessoas. Então, meu papel é não estar em nenhum time específico, não estou em talent acquisition ou compensation ou treinamento & desenvolvimento, e, ao mesmo tempo, eu olho para o todo, sob a perspectiva de que isso tudo é uma coisa só.

 

O que vem muito forte com esse papel é pensar as rotinas de RH e as entregas como um produto. É a arte do continuous discovery. É você estar sempre conectado, olhando o dado, entendendo as tendências lá fora. A gente tem dificuldade nas empresas, naturalmente, de olhar para fora, porque você está imerso em um monte de coisas. Esse papel central tenta diminuir os silos, os retrabalhos, identificar falhas de comunicação, e agregar pessoas e times a fim de potencializar o trabalho que estão desenvolvendo.

 

Quantas pessoas você atende, direta ou indiretamente?

A empresa em que estou atualmente tem 1.500 pessoas.

 

Queria que você nos contasse como foi o seu primeiro trabalho e como foi evoluindo profissionalmente, em termos de cargos.

 

A primeira coisa nessa resposta é pensar que a evolução da carreira de pessoas como eu tem essa construção que inicia pela subsistência. E eu consegui ir dela para a abundância. O que a maioria das pessoas do Brasil fazem? Trabalham para sobreviver, pagar as contas, como diz o Emicida, “eu sei que cansa. Quem morre ao fim do mês? Nossa grana ou nossa esperança?”, o que a gente poderia chamar de neoescravidão, sendo bem crítico.

 

Comecei a carreira a partir do momento da L’Óreal, dei aula no Senac, em Salvador, e comecei a subir no banquinho, olhar um pouco mais alto, ver mais coisas. E comecei a entender que existia um mundo onde eu poderia ser mais estratégico, impactar mais globalmente, entender de negócio e narrativas do business. 

 

É uma trajetória da qual eu valorizo cada momento, porque precisei fazer aquilo para poder

comprar o que comer, ter algum dinheiro. Toda essa construção que me traz até aqui me fez

muito forte, e me deu uma facilidade, sobre a qual já recebi muitos feedbacks positivos. Lembro de um colega na faculdade me falar: “você cita aqui no décimo período coisas que viu no primeiro período e linka com um negócio do terceiro…”. Eu não aprendo só com um conteúdo ou um formato. Passa aquele avião na praia com a faixa com alguma coisa escrita e tenho um insight que tem a ver com outro negócio que estou pensando. Eu tento observar muito o tempo todo. As pessoas não prestam mais atenção, eu tenho essa facilidade e acho que isso vem dessa trajetória. 

 

Para mim, os melhores conhecimentos são as trocas com as pessoas. 

 

Com que amigo você tem contatos verdadeiros, de trocas de escuta? E você precisa ser muito genuíno para ouvir a pessoa e calar sua voz interior e não falar demais. Quando ouço o outro, abre-se um universo. Porém, a gente sabe que precisa ter uma patente (para a formação de mercado). Então, fiz uma pós-graduação em marketing na ESPN, trabalhei numa agência de branding, fiz agora um curso de Harvard, “Remote Work Revolution for Everyone”, e um do MIT, “Shape the World of the Future”. Vou fazendo conexões e vou aprendendo, faço muito essas sinapses. Esse é o conhecimento que mais me interessa. No RH, a gente chama de 70:20:10 – 70% fazendo, 20% aprendendo consigo mesmo, 10% treinando formalmente. Eu faço isso na minha vida, talvez eu mude a proporção para 80:10:10 – 80% ouvindo as pessoas falarem, 10% eu indo a uma palestra, um evento, e 10% fazendo cursos formais.

 

A sua trajetória é a materialização do metaskilling, conceito que apresentamos em nosso report de tendências para abordar essa habilidade de aprender, de aprimorar a própria qualificação. Como você resumiria o seu processo de metaskilling? 

 

A gente está vivendo a infotoxicação, um monte de conteúdo, vários cursos o tempo inteiro. E faço um questionamento sempre para os times: por que você está aprendendo? Para que que você está aprendendo? E até faço uma provocação bem controversa: 

 

Pare de aprender. 

 

Dê um tempo sabático de aprender, vamos olhar um pouco para o que nós queremos. As novas tecnologias devem intensificar a busca por conhecimento de muita coisa, mas de nada ao mesmo tempo. O que nos leva aos próximos passos? O que transforma as coisas de verdade? O que transforma a sua jornada de verdade? Essa é a grande coisa. A perspectiva de meta, de que você está aprendendo o tempo inteiro, a metafísica da atenção. Preste atenção naquilo em que você está prestando atenção, senão vira um monte de gaveta com conteúdo que você não resgata porque não dá tempo e porque não é acionável.

 

É mais saudável, nessa infotoxicação, aprender à medida em que você precisa. É claro que tem coisas pontuais, quer aprender Excel, PowerPoint, Python. Mas para carreiras que não são tão lineares, por exemplo, no RH, você está lidando com pessoas, que têm questões de aprendizagem, de saúde mental, questões diversas. O que você precisa aprender? O importante é começar a pensar não só no que você quer ser, mas no que você quer aprender agora, para o hoje.

 

O melhor lugar do mundo é aqui e agora, né?

 

O presente das empresas do futuro