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Treinamento contra assédio é lei e exige formação contínua

Novas obrigações para as empresas vigoram há 4 meses. Saiba o que você precisa fazer para que sua organização esteja em conformidade.

 

Em março deste ano, uma legislação rigorosa entrou em vigor, trazendo diversas responsabilidades para as empresas no combate a assédio moral e assédio sexual. A Lei 14.457/22 passou a obrigar organizações com mais de 20 colaboradores a adotarem medidas efetivas contra assédio e outros tipos de violência. Entre as medidas, determina:

“Realização, no mínimo a cada 12 meses, ações de capacitação, orientação e sensibilização dos colaboradores de todos os níveis hierárquicos sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que apresentem máxima efetividade de tais ações”. 

Também impõe que as empresas faça “ampla divulgação” aos colaboradores sobre regras de conduta contra assédio.

Denúncias de assédio triplicaram em 5 anos

 

Enquanto implementamos a lei, batemos um recorde: em 2022, o número de denúncias de assédio no ambiente corporativo no Brasil foi o maior da série histórica. O levantamento da Alliant, reportado pelo Valor Econômico no mês passado, apontou 152 mil notificações no ano passado; em 2021, foram 125 mil.

Os responsáveis pela pesquisa afirmam que o aumento também está relacionado a novas políticas nos últimos anos, com canais de denúncia que passaram a ser obrigatórios nas empresas.


Saiba mais: timeline da legislação, punições e como prevenir, no Guia prático – lei de combate ao assédio no trabalho.


Por isso, é essencial promover o letramento sobre o tema dentro das organizações, sem tabu e com responsabilidade e consistência.

“Quando a legislação só criminalizava, ficava apenas na esfera de acusação do agressor e não de construção de um ambiente de trabalho mais seguro. A punição é fundamental, mas o problema, se não resolvido no ambiente de trabalho, afeta diretamente a habilidade de uma marca atuar no mundo corporativo com seus consumidores, prestadores de serviço, fornecedores, investidores, além de todos os prejuízos internos. É preciso se preocupar com algo maior: a cultura organizacional. Se não mudar, existe alto risco de recorrência e de muitos outros danos”, alerta Fabiana Siviero, advogada especialista em legislação e políticas contra o assédio no trabalho.

Siviero foi diretora jurídica da Google e da 99 Tecnologia, e hoje integra o Comitê Internacional de Diversidade e Inclusão na Didi. Além de atuar judicialmente em casos de assédio, também se dedica a iniciativas de voluntariado relacionadas à causa. “É importante que as ações de prevenção e combate ao assédio no trabalho funcionem sempre, e bem, como uma engrenagem. Assim, se tornam, inclusive, um motivo de orgulho para a empresa. E é o oposto de ter que responder, judicial e publicamente, no Ministério Público do Trabalho, na Justiça e na imprensa, sobre um caso de assédio”, destaca.

Pesquisa realizada pelo LinkedIn com Think Eva, consultoria de inovação social e equidade de gênero, apontou que 47% das mulheres já sofreram assédio sexual no ambiente profissional. O dado é de 2020. Mudou de lá pra cá? Para melhor ou para pior?

“Isso só comprova essa ampliação de consciência e a necessidade de sermos pró-ativos no combate ao assédio. Não vamos esperar algo acontecer para, então, começar esse trabalho de prevenção”, diz Nana Lima, publicitária, empreendedora social, sócia e cofundadora de Think Eva e Think Olga.

Fato é que a sociedade, de uma forma geral, está descobrindo o problema – e o tamanho dele. Nos últimos anos, o preconceito e os ataques contra grupos historicamente têm ganhado a pauta pública. Porém, atingir uma mudança de consciência demanda tempo e muito trabalho. Exige conversas qualificadas com periodicidade, para que realmente mexamos nas estruturas.

O que é assédio no trabalho?

 

O artigo 216-A do Código Penal define:

“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

Para ser caracterizado como assédio sexual, o caso configura-se com imposição da vontade do agressor e sem reciprocidade.

O assédio moral não é tipificado em uma lei específica, mas, ao ser ajuizado na Justiça do Trabalho é enquadrado como ilegalidade considerando as várias normas da CLT (Constituição Federal, Código Civil e Penal), de jurisprudência consolidada.

“Assédio moral se caracteriza quando há qualquer conduta abusiva, reiterada e sistemática, que possa expor determinada pessoa a situações humilhantes, constrangedoras, vexatórias, que reflitam violência psicológica e possam afetar suas dignidade, personalidade e esfera individual”, explica Áurea Scarano, especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Gestão Jurídica Empresarial, e gerente jurídica da Serede.

Quais são as punições para assédio moral e assédio sexual no trabalho?

 

Punição no âmbito penal:

A pena para quem comete assédio assédio sexual é detenção, de 1 a 2 anos. Ela aumenta em um terço se a vítima for menor de 18 anos.

Já o assédio moral não tem tipificação específica no Código Penal, mas que pode gerar repercussão criminal se for enquadrado, por exemplo, nos delitos de calúnia, difamação ou injúria.

Punição no âmbito trabalhista:

As vítimas de assédio podem ajuizar ações na Justiça do Trabalho e obter indenizações em face das empresas onde o assédio ocorreu. Além disso, as denúncias podem passar por investigações do Ministério Público do Trabalho, que faz uma varredura em toda a empresa. O MPT verifica, entre outros aspectos, se a empresa investigada tem mecanismos para combater o assédio e quais são eles, se são realmente efetivos, e se existem ações e acolhimento aos colaboradores(as) que sofreram a violência em questão.

Se comprovadas, as irregularidades resultam em:

Termo de Ajustamento de Conduta, que define obrigações à empresa punida para implementar mudanças;

Ação Civil Pública, um processo coletivo em que a empresa é condenada a cumprir obrigações e pagar indenizações elevadas a todo um grupo de colaboradores, a fim de reparar os danos causados.

A punição é fundamental. É uma medida educativa e vem para amenizar os prejuízos às vítimas. Mas precisamos ir além de soluções pontuais. É preciso transformar cultura. Quanto mais as empresas ficam mais distantes de resolver o problema, mais suscetíveis estão às punições legais.

 

Quais são os prejuízos do assédio moral e assédio sexual no trabalho?

 

Um ambiente de trabalho contaminado com assédio – explícito ou velado – resulta em diversos prejuízos ao negócio e às pessoas.

Além das multas e indenizações que a empresa onde o assédio ocorreu precisa pagar, existe um prejuízo emocional extremamente nocivo a todos(as) colaboradores(as) – não apenas às vítimas em si, mas a todo o ambiente, entranhado por uma cultura tóxica e excludente.

Consequentemente, isso mina o potencial humano dos/as colaboradores/as e limita os maiores valores de uma equipe, como engajamento, motivação, colaboração, rendimento, produtividade, criatividade, inovação.

Resumo de alguns dos prejuízos institucionais:

  • Financeiro = prejuízos diretos, como multas e indenizações determinadas pela Justiça e às vítimas; e indireto, com lucratividade e valuation comprometidos pelo impacto reputacional, e também pela queda em performance.
  • Reputacional = crise de imagem, com impacto na opinião pública, cancelamento nas redes sociais, boicote de consumidores, retirada de investidores, perda de valor das marcas, quebra de contratos.
  • Baixa performance das equipes = comprometimento do bem-estar e da saúde mental dos times, que impactam em resultado, visto que pessoas assediadas e acuadas não conseguem ser criativas e inovadoras, nem mesmo desempenhar bem as suas funções.
  • Pouca ou nenhuma diversidade, equidade e inclusão (DEI) = um ambiente de trabalho que não promove o combate ao assédio e não o coloca como pilar da cultura negligencia os critérios de DEI.
  • Perda de talentos = alto turnover (rotatividade) de colaboradores/as

“Além da repercussão financeira direta, a imagem da empresa perante seus investidores, clientes e stakeholders sofrerá severa depreciação e poderá afastar potenciais negócios e oportunidades”, destaca Áurea Scarano.

Precisamos evoluir logo. Não só pela obrigação legal, mas pela causa urgente. Mais do que cumprir a lei e atender a ESG, as empresas podem explorar o momento como um marco de virada. E serem protagonistas nessa transformação, através de medidas eficazes e permanentes.

Como combater o assédio nas empresas?

 

Como vimos no início deste artigo, a lei exige ações contínuas, periódicas e de máxima efetividade. Isso porque, se o tema não for abordado com propriedade, didatismo e recorrência, a dinâmica persiste. Inclusive, reforça o Ciclo do Assédio, um processo circular em que a cultura tóxica permanece e acaba reforçada.

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Por isso, as empresas não podem implementar ações para “cumprir tabela” (ou a lei, nesse caso). Precisam implementar uma conversa qualificada e perene, em toda a organização. Só assim vai construir uma cultura zero assédio, em que todos e todas trabalhem em um ambiente seguro, e, assim, impulsionem carreiras e resultados.

O presente das empresas do futuro